domingo, 29 de maio de 2011



A ilha - conto.
Um lugar como outro qualquer, que convida o homem à adaptação e à harmonia como modos sustentáveis de existência. Em nada a ilha era diferente de outros lugares em nosso planeta, normalmente as árvores cresciam de baixo para cima buscando a luz, e depois de adultas algumas costumavam frutificar logo após as flores tomarem seus galhos. Os homens, habitantes da ilha, já tinham percebido essa lógica e a usavam para se beneficiarem. A inteligência inquestionável desses habitantes os fez perceber que além do alimento fornecido pela vegetação, tantos eles seres móveis - dotados da capacidade de andar, pular, nadar, gesticular, brigar, etc. - quanto os seres imóveis, por exemplo: as árvores, faziam uso de um líquido chamado água para viverem. A tradição ensinou aos homens que eles precisavam ir até ao que se chamava de fonte de água para tomarem a quantidade que necessitavam, no entanto, as árvores desfrutavam do benefício de usarem água trazida pela chuva que se acumulava no solo, ou estenderem suas raízes até uma fonte de água mais próxima; o que num primeiro momento lhes parecia justo, porque as árvores não conseguiam se deslocar com a mesma agilidade que eles, os homens.   Mas perceberem que tinham algo em comum - necessitarem de água -  era irrelevante, o que realmente importava era perceberem que eram dependentes das árvores e que por serem mais ágeis que elas - no quesito mobilidade - permitiam a eles dominarem as árvores sem muito esforço físico ou intelectual, para usarem seus corpos na construção de abrigos e consumir seus frutos sem restrições; o que impossibilitou as árvores de se procriarem devidamente. E possibilitou aos homens, gradualmente, ocuparem mais espaço na ilha que qualquer um dos outros seres móveis não humanos ou imóveis humanos ou não - excetuo aqui, por motivos práticos, a invenção do aerosol à base de C.F.C. e a corrida do homem à lua, avanços, imprescindíveis a conquistas como: habitação, emprego, saúde, educação, segurança e sustentabilidade; palavras comumente usadas por uma classe de profissionais chamada de políticos, seres humanos imóveis ou não, que desde sempre - sentados à sombra e bem alimentados - abraçaram à árdua e nobre causa de liderarem bandos de homens, que famintos trabalham de sol a sol para cumprirem metas: de como, quando e quanto às ocupações humanas devem crescer. Vale lembrar, que no início os políticos usaram de força bruta para ocuparem os cargos próprios de sua árdua profissão, mas posteriormente encontraram uma outra forma menos violenta: passaram a usar de coerção social, psicológica, ideológica e força bruta para obrigarem aos homens não profissionais da política a os elegerem para os cargos próprios de sua árdua profissão.
Afinal de contas, é mais fácil para homens que desfrutam de abundância, sombra, água fresca e alimento em demasia, julgarem o que falta a todos os outros que trabalham famintos de sol a sol. Por esta mesma razão, líderes - políticos profissionais - sempre decidiram o quanto merecem receber pelo trabalho árduo que impunham a si mesmos e ao bando de homens liderados. É importante lembrar que nos primórdios da ocupação da ilha, civilização, eles usavam de força bruta para receberem seus pagamentos, todavia, hoje encontraram uma forma mais pacífica de receberem o pagamento justo: se reúnem sozinhos e escoltados em momentos de festejo do bando e decidem usando um sistema que chamam de votação, e depois de escolherem sozinhos por votação a opção do maior pagamento, é responsabilidade dos mais fortes do bando usarem de coerção social, psicológica, ideológica e força bruta para convencerem os revoltosos que trabalham de sol a sol que o pagamento exigido é justo.
A legitimidade - justiça - das decisões tomadas pela classe dos políticos profissionais, atualmente se baseia na obrigação que temos de eleger periodicamente os mesmos políticos profissionais que ascenderam - cresceram - na carreira política fazendo parte de uma facção de políticos profissionais: grupo de homens com uma bandeira, um livro e dispostos a solucionar os problemas que atingem os que trabalham famintos de sol a sol para cumprir as metas decidas pelos políticos profissionais, que decidem na sombra e bem alimentados. Pensando nisto, que um indesejável novo habitante veio de além grande poça de água, vulgo mar, e se perguntou sobre o que se fazia na ilha para se escolher os líderes. Auto intitulado: Ig Norante, perguntou sobre o uso das bandeiras para os habitantes da ilha, entre bando de homens de sol a sol, vocacionados políticos profissionais a políticos profissionais em exercício ou quase. Todos disseram que era uma tradição ligada ao livro de cada uma das facções, como o chacoalhar de um falo ancestral ornamentado e comprometido ideologicamente.
Ig Norante insistiu: - E o livro da cada facção para que serve? Em coro ou a uma só voz, uns poucos entre os políticos profissionais que já tinham lido o livro de suas próprias facções disseram que se tratava de tradições e soluções antiquíssimas para problemas da ilha, enquanto isso burburinhos sarcásticos diziam que para eles era somente um pretexto para alimentarem suas rivalidades e fazerem com que o bando se confundisse. Foi quando Ig Norante ficou perdido por se lembrar de um antigo ditado de seu povo ao deparar-se que a próxima pergunta que faria - antigo ditado de seu povo: de boas intenções o inferno está cheio -, mas sem mostrar vacilação disse: - Se todas as facções têm boas intenções e algumas entre as infinitas facções existentes já tiveram algum tempo de governo porque sempre falta tanto a ser feito? Somente um entre eles e inominável - não me recordo o nome - ousou responder: - Somos muitos e de infinitas facções, sempre dissemos o que precisa ser feito, mas discordamos no que se refere ao processo, é como ferver água e cada facção defende um modo diferente de preparo para fervura, mesmo que sejam bem parecidas quando lideram. Se virmos o discurso da cada uma das facções com cuidado, me arrisco a dizer que todas gostariam de se perpetuarem na liderança, neste ponto todas as facções são semelhantes. Entediado, Ig Norante perguntou: - Os patrocinadores defendem quais interesses? Fez-se silêncio em toda a ilha.
Ig Norante percebeu que deveria parar, mas em sua curta passagem quis deixar uma mensagem de relevância: - Na ilha de onde vim decidimos que todos deveriam estar preparados e serem responsáveis pela liderança, e que precisávamos evitar o vício das vocações políticas profissionais - por pouco Ig Norante não morreu de mau olhado enquanto falava. Um sujeito maltratado por muitos e pela longa vida se levantou e perguntou como faziam na ilha onde Ig Norante vivia. E Ig Norante respondeu sorrindo: - Como todos nos preparamos, os que desejarem servir como líderes se apresentam candidatos para o dia do grande sorteio, conhecido como purrinha coletiva, cada um da ilha só pode servir por um tempo e uma vez. Todos riram e tiveram certeza daquele dia em diante como chamariam pessoas que desconhecem as coisas daquela ilha: Ignorante.


Og Esteves

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