segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Lá fora a chuva

Tão concreta quanto pode a água

Corre por diferentes texturas

Se desmentindo

E diz: - Sou fluida

Na curva da mão faço abrigo.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Criação



   Entre a cidade e o campo, encoberta pela vegetação alta e variada.   Sem estilo arquitetônico definido, mais de uma geração parecia ser autora daquela casa.   Talvez tenha encontrado um momento antes do fim e interrompido o processo.    Ficou sem data, sem época, em suspensão.    E, aos olhares dos curiosos, parecia sempre a mesma.
   
   Em volta da casa um homem buscava a entrada.
   
   Ícaro passou ser o nome de Jorge depois que ele e a rua se escolheram.   Como consequência, Ícaro tinha a si mesmo, a roupa do corpo e uma mochila.   Naquele dia sentiu que podia ter mais que isso.   Foi tropeço, joelho ralado e a vegetação alta que convidaram o andarilho a ocupar aquele lugar.
   
   Parede, buraco, tábuas e braços fortes: entrada na casa.
   
  Dentro, a escuridão recebeu Ícaro.  E, um feixe de luz levou o andarilho até a janela.  Céu aberto e lua cheia revelaram móveis de madeira empoeirados, pequenos reflexos na parede vindos de um lustre e um grande tapete. 

   Na mente, imagem de lar.   Cansaço, sono e sonho.
   
  Pelas pálpebras deslizava áspera a língua de um gato dando bom dia, susto de dois.   Ícaro amanheceu gritando e o gato correndo.   Impulso virou salto.   Andorinhas e pardais em revoada mostraram ao andarilho que a velha casa tinha um segundo andar.  
   
   Escada, corredor.  
   Muita poeira escondia os livros na estante de um escritório.   À direita outra escada, e esta em caracol.   Ícaro subiu.   Lá, pequeno quarto na torre.    O vento passava pelo vidro quebrado da janela, a cortina em movimento tinha a mesma cor do lençol sobre a cama, a diferença estava no tom de vermelho. 
   
  Surpresa.   No basculante o gato miava dando boas vindas.   Ícaro sorriu, se aproximou do gato e enquanto fazia carinho nele, avistou o café da manhã: no quintal uma fonte irrigava um pequeno pomar.   Sorriso virou gargalhada, fome virou pressa e pressa teve que se acalmar, com a descoberta de uma parreira repleta de cachos de uva.   Ícaro colheu, comeu.  O andarilho se sentiu morador.  
 
   
   Então, Ícaro acorda:
   Língua áspera, gato, susto.   Revoada, segundo andar. 
   Poeira, livros, escritório.   Escada caracol, pequeno quarto, torre.   Vento, movimento, cortina, lençol.
  Surpresa.   Basculante, gato miava.   Se aproximou,  avistou café da manhã no quintal: fonte, pomar.   Colheu, comeu.   Se sentiu morador.  
   
   Ícaro lembrou o primeiro sonho na casa e percebeu que era, em sequência, igual à realidade.
   
 Dentro da casa um barulho preencheu todos os cantos.   Intenso, o som tomou também o quintal provocando em Ícaro corrida e busca.   E, era a porta do sótão na sala.
  Ele subiu para ver a luz colorida de um vitral contornar no escuro o corpo de um rapaz, isso depois de um miado.   Ícaro ficou apavorado, sem reação.
    
  - Me chamo Antes.   O que chega a você passa primeiro por mim e posso te mostrar em sonho, como fiz hoje.   Seja bem-vindo, Ícaro.  


segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Novos olhos

Calamidade é falta de surpresa

Noticiaram o eco da civilização

Passamos a nos repetir

- Sabe aquela esquina do mistério?

- Às vezes parece rotatória

Esperança insiste


Novos olhos

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Me encontrando verde me faço maduro ou parto do desejo



   Quem sabe algo além da porção do tempo estampada em papel.
   
   Era ele puro sentidos.   Seus limites espaciais não o prejudicavam na apreciação dos múltiplos estímulos de suas primeiras obras.
   
   Sabia pouco de plástica, estética, poética, menos ainda desenhar promissoras caixinhas de expressão em suas telas.   Começava mesmo por baixo, esteva atento às miudezas do processo imaginativo.   Ele tinha para seu deleite coisas simples e suficientes: um ao redor coberto de sentidos; sala quase barroca e um espaço passível de receber sua expressão junto de vidrinhos abarrotados de uma só fração das cores.   Gostava com fervor quando os potes de tinta derramavam, facilitava seu acesso à matéria-prima de suas criações libidinosas, talvez ele fosse todo em desejo de ocupação.   Queria muito preencher o que lhe parecia ausência na folha descomprometida sobre o piso de madeira.   Se fosse dado à erguer-se, levantaria ansioso para agarrar os meios de expressão, mas não era tão seguro assim de seu equilíbrio e preferiu naquele momento se entregar, com todas as partes, ao esforço feliz pela aproximação.   Se para quem observava ele se arrastava, em si, era prazer pelas pequenas conquistas, tinha um esboço ingênuo do que mais tarde se chamaria orgulho.   E, alçado pela certeza de suas dúvidas, lançava-se com passos instavelmente seguros à sua primeira jornada pela satisfação.   Uma mulher tomada por instinto maternal veria nele um menino precoce na arte de engatinhar.   Porém, ele se encontrava absorvido em suas descobertas para compreender a existência em outros.   Ele, o menino, percebia em seu corpo o prenúncio do desgoverno.   Uma vontade grande cismou virar movimento e, também, ajudado pela gravidade, conseguia finalmente de algum modo, derramar toda a consistência daquele líquido vermelho sobre o piso preto em direção à ausência na folha branca.   Do abismo, o menino experimentava o gozo pela euforia, tinha transformado as coisas.   Tinha um quê rupestre o produto artístico expressado pelo desenredo de suas braçadas, mas isso não o ocupava; seu desejo era maior e ele ainda maior em desejo.   Pensou em pensar e preferiu novamente a entrega.   Incomodou-se ao imaginar cobrir regularmente toda a folha branca com líquido vermelho viscoso; o que seria aceitável em um monocromático.   Como é próprio em crianças, se fez volúvel e relativo na escolha da superfície a ser passado o pigmento e se confundia em meio as tintas e a folha; já cedo, anunciava sua ideia ampliada sobre a arte e a ausência.

   
   Para desfecho da estória, tínhamos uma mãe, que se fazendo de ausente, observava com surpresa seu filho ou o que aos poucos ele se tornava.

sábado, 2 de novembro de 2013

O Triunfo de Galateia


  
 
 
   Céu entrecortado por nuvens, misturas de cores, intensidades e luz, como uma obra de Rousseau; aquela fazenda ao entardecer esperava para ser admirada.
   O casal Arnolfini está em sua casa de campo e ocupa a mesa da varanda para o café da tarde.
   Mesa posta e farta, toalha azul ultramarino e cópias da porcelana Ming, compunham aquele cenário que de longe lembrava o quadro ‘Telhados vermelhos’ de Camille Pissarro.
   Inebriados como o casal em ‘O balanço’ de Fragnard, foram surpreendidos pela intervenção de um flash de luz na cópia daquele do Abaporu de Tarsila, e reflexo devolvido à cortina lembrava as vivas cores da arte urbana, visto pelo recorte justo da janela Bahaus.  E se até aqui parece surreal, imagine quando o casal, com a vista turva de Renoir, buscando a origem daquele flash, avista um jovem vestindo vermelho como ‘O mensageiro’ de Soutine se aproximar em stop motion, e dizer a eles: 

   - Curadores, vocês foram envenenados, assim como todos os convidados da última vernissage, e o quadro ‘O grito’ de Edvard Munch roubado do museu.

Cautelosos, o casal Arnolfini pediu que o jovem apresentasse as credenciais.  
   Sim, é um funcionário do museu.  E diz:
  
  - Preciso que me acompanhem.  O detetive depende da colaboração de vocês para ter sucesso na investigação.





Noite fria. 
   Rodeado por um jardim bastante arborizado, o museu tem uma fachada em estilo neoclássico.   Luzes âmbar iluminam as colunas brancas do portal de entrada.

  À porta do museu um homem vestindo terno caminha ao encontro do casal Arnolfini e se apresenta:

   - Sou a detetive Vincent e vim para o local assim que fui informado pelo departamento.
Sr. Arnolfini: - Estamos muito tristes com o que aconteceu. Eu e minha esposa dedicamos nossas vidas à curadoria deste museu...
   - Entendo que esteja emocionado.   Sei também que estão sob efeito do envenenamento, mas preciso que me ajudem na investigação...
   - Fomos informados que o efeito é temporário, isso nos tranquilizou Sr. Vincent.

Entram numa antessala que serve de recepção do museu.   Bem iluminada e ornamentada por afrescos harmoniosamente distribuídos pelas paredes e teto.

  - Voltando ao crime.  Este caso tem um elemento bastante incomum.  Falou Vincent.
 O investigador puxou a cadeira para Sra. Arnolfini e o esposo dela sentou-se ao lado, então Vincent falou:
  - Encontrei este pequeno pedaço de papel no local do crime.  Vejam.
  - ‘O triunfo de Galateia’.  Sr. Vincent, este é apenas o título de um afresco de Rafael.
   - Sim, datado de 1512, Villa Farnesina, Roma, Itália.  A questão Sra. Arnolfini é o que ele estaria fazendo no local do crime, depois do museu fechar e os funcionários concluírem a faxina. 
   - Entendo que é a única pista, Sr. Vincent. Mas como eu e meu marido poderíamos ajudar no caso.
   - Simples, eu preciso saber tudo sobre ‘O triunfo de galateia’.





Acervo - subsolo do museu.
Grandes blocos de pedra formam as paredes; termostatos em mais de um ponto do salão informavam a mínima mudança na temperatura; luzes frias de pouca intensidade; nenhuma outra saída ou janela.

   - Como você pode ver Sr. Vincent, a pesquisa que eu e minha esposa fizemos mostra que este afresco tem inspiração mitológica, na estória de Galateia, mas nada incomum, porque estamos falando da Alta Renascença.
   - Isso Sr. Vincent... Galateia foge da perseguição apaixonada do ciclope Polifemo, e busca seu amado Ácis.   Mas no que essas informações ajudariam na investigação?
  - Em nada, se não houvesse uma razão para o ladrão deixar esta mensagem.   Pensem comigo, ele conseguiu bulhar toda a segurança do museu, sem explicação ele se descuidar deixando cair um papel, a não ser que este papel tivesse um propósito.
  - Então ele quer que você procure por ele.  Provavelmente uma armadilha.
  - É o mais provável Sra. Arnolfini.  





Madrugada - neblina encobrindo ruas, praças e prédios da cidade.
    Quarto, cama, lençol de seda e pesado cobertor.  O investigador Vincent está dormindo sem camisa e ainda assim transpira, tem um sono agitado.  Vento, janela bate e ele grita:

   - Cais!

Ofegante e apressado, Vincent leva a mão até uma garrafa de água, toma dois goles enquanto troca de roupa.

   - Golfinhos puxando uma concha com Galateia como se fosse um barco, tem que indicar o cais.
   Chaves, distintivo, celular, jaqueta e carro. 

  



No cais também há neblina.  

   Vincent usa uma lanterna em busca de pistas por todos os cantos, vasculha cada canto sem nenhum sucesso.   E, seu único achado foi uma caixa de madeira que servia de refugio para uma cadela e seus filhotes.   Então, na saída de um galpão, ele tropeça numa garrafa de vinho, o som da garrafa pelo chão preenche o silêncio da noite e assusta algumas gaivotas, o investigador olha para o alto e percebe que ainda não tinha ido àquela torre de observação. 
    Vincent encontra a escada de acesso à torre na lateral externa, à esquerda do galpão.   A torre é velha, pequenas janelas sem vidro e degraus molhados.  Ele sobe com cautela e chega à sala da observação da torre.   O investigador caminha em direção ao ponto de observação na torre, ampla janela e uma luneta metálica enferrujada.   No alto da torre a neblina era pouca, uma longa cortina branca podia ser vista cobrindo todo mar da margem à linha do horizonte, por alguns instantes Vincent se esqueceu da investigação.   Quando foi surpreendido por um grupo de pessoas chegando ao cais, a neblina o impedia de enxergar as pessoas, mas pode escutar passos e perceber que estavam conversando.   Minutos depois, luzes do que deveria ser um barco podiam ser vistas por entre a densa neblina, ele ficou surpreso e pensou numa abordagem, mas o a torre era alta e qualquer outra tentativa também seria ineficiente.   O barco se aproxima e alguns ruídos indicam que o grupo embarcou.   Em seguida, Vincent só conseguia ver as poucas luzes se distanciando da margem e sendo projetadas naquela cortina branca estendida por sobre o mar. 
   O investigador pensou no mais sensato, relacionar o curso do barco com as poucas estrelas que conseguia ver, por coincidência - o que facilitou sou memória -, Vincent percebeu que a lua e três estrelas no céu tinham distancias semelhantes aos quatro cupidos pintados em ‘O triunfo de Galateia’.

   4:30 da madrugada, cansaço, persistência, chão, sono.


  


Amanhecer no cais.
   Toca o alarme do celular, um som estridente preenche a cabine no alto da torre, são 6 horas da manhã e o sol forte havia dissipado toda a neblina.  
   Vincent acorda assustado, por instantes estranhou o lugar em que dormiu.  Em pé, ainda sonolento, com a visão perturbada pela luz, o inspetor consegue ver uma ilha em posição proporcional às três estrelas que viu à noite.  Ele passa as mãos nos olhos em dúvida.  Mas conclui ser bastante provável que as três estrelas pudessem servir como referência de localização daquela ilha.
  Pelo celular o investigador encontra informações geográficas precisas sobre a ilha.  Fotos via-satélite mostram um mata fechada em seu em torno, enquanto uma clareira na parte central da ilha tinha o desenho semelhante a uma concha.  Óbvio que Vincent imaginou estar vendo além dos indícios a serem considerados em processo de investigação formal, mas o que ele tinha no início era um pedaço de papel com o título de um afresco de Rafael datado de 1512. Considerar aquela ilha próxima da costa era irrelevante se estivesse enganado. 
  Torre, pressa, rapidez, degraus, queda, recuperação.  Vincent corre ao encontro de um barqueiro, apresenta suas credencias e busca convencer aquele senhor que a gentileza de emprestar o barco era fundamental a um importante processo de investigação. 
  Barco.   Embarque.   Mar em seus vários tons de azul.   Reflexos do sol nas águas.   Pouca experiência em pilotagem.   Ondas quebram no casto, saltos.   Ansiedade e chegada.





Ilha.
   Vegetação densa próxima à margem, uma pequena parte de areia e pedras formavam a praia naquele lado da ilha. 
   Vincent buscava alguma trilha para facilitar sua escalada até a parte mais alta e central, onde ele imaginava ter visto a clareira com a forma de uma concha como desenho.  Um pequeno curso de água passando por entre pedras que desaguava no mar pareceu a melhor escolha de trilha para a subida do investigador.  
   O investigador seguia o caminho inverso ao das águas.  A caminhada era difícil, inevitável escorregões e alguns tombos, mas insignificantes, a preparação física do investigador diminuía os riscos.  
   Cansado pelo acumulo de noite mal dormida mais a trilha de difícil acesso, parou poucas vezes, bebeu daquela água e também admirou o lugar.
   Depois de uns metros de onde nascia aquele curso de água, Vincent se deparou com menos árvores e com um conjunto de arbustos idênticos, essa característica na vegetação confirmava sua suspeita, havia algo de proposital naquela ilha, começou a ter mais esperanças de ter seguido a pista certa.   Ele se apressou em buscar o limite dos arbustos e início da clareira.
  Braços fortes, rápidos e precisos sobre os galhos abrem espaço para a chegada: gramado branco e rasteiro era tudo o que havia no lugar.
 
   Ele anda em todas as direções, depois escolhe árvores mais altas em diferentes pontos para avistar todos os limites da ilha, mas nada além de árvores e mais árvores.
   Misto de decepção e tensão fazem com que Vincent permaneça calado, buscando algo mais do que aquele gramado perfeito em uma ilha sem nenhum indício de habitação. 
   Exausto ele senta-se na parte central daquela grande concha desenhada com árvores e arbustos em meio ao mar, e era só isso. 
   Desajeito, desconforto, plano de retorno e novo rumo para a investigação.
   Barulhos de hélices. 
   Vincent pensou o óbvio, de algum modo o departamento soube da minha loucura através do casal Arnolfini e conseguiram me localizar.   E, ele resumiu numa frase:  - Tenho mais de um problema agora.   Rindo e debochando de si mesmo - Vincent pensou que ter ido a ilha valeu a pena.
   Agora o helicóptero está acima de sua cabeça preparando a aterrisagem, mas a aeronave não tinha nenhum símbolo de identificação na lataria e também não se assemelhava aos modelos de aeronaves que faziam uso no departamento.
   Pouso.   Homens estranhamento alinhados, vestindo ternos pretos se aproximam esboçando um sorriso.  Sem saber como reagir Vincent permanece estático. 
   Então:

   - Sr. Vincent Stephen Farthing ?
   - Sim.
   - Somos da Guilda O Triunfo de Galateia e o senhor preencheu todos os requisitos para integrá-la como um novo agente.
  - Senhores, eu não entendi porque vocês se deram ao trabalho de vestirem ternos tão caros pra um show de humor.
   - Sr. Vincent, menos pretensão.  A Guilda O triunfo de Galateia é um grupo secular encarregado de preservar grandes obras de arte, e ‘O grito’ de Edvard Munch esteve ameaçado por mais de uma vez, então a linhagem sanguínea dos verdadeiros herdeiros da obra decidiu recuperá-la e mantê-la em segurança até uma próxima geração, quando a devolveremos à sociedade.  
  
                                                                             FIM