quarta-feira, 30 de dezembro de 2015



Entre as tantas coisas que acontecem algumas são furos. Não falo só aquele do qual se ocupam os jornalistas mais sortudos, mas do vazio que se insinua pleno aos nossos olhos nos incitando a completar. Sim, deste buraco sorvedouro de sentidos nascem as histórias para que se animem as almas ante à fenda na certeza, para que a Esfinge deixe Édipo viver mais um dia. Por falar em história, talvez você conheça essa sobre Édipo e muitas outras nas quais um enigma solucionado finge ser solução, por favor, não sejamos ingênuos, qualquer resposta que ocupe os vãos propostos pelo enigma serve como satisfatória, mas se tiver atenção irá perceber que o furo surge na sequência do acerto sem fogos, sem comemoração, mas inaugurando a contínua incerteza: é como se a Esfinge desolada por ter que fazer Édipo acreditar que acertou alguma coisa se jogasse do penhasco como quem diz: - Junta-me os cacos e me faz inteira de novo. No mais, torço todos os dias para que tuas lágrimas conheçam ombros e abraços e teus sorrisos sirvam aos horizontes. Porque não é por não sermos afeitos à condição de terminar que sofremos, pensar isso é como fazer e responder enigmas e que benefício real isso trouxe ou traz ao modo como nos contamos na história? Não estou dizendo que tenha que ser eufórico, mas consulte-se sobre ser feliz.



                            Imagem: Christophe Jacrot, "NYB Full Moon",
                            from series "New York in Black".

sábado, 26 de dezembro de 2015



Antes de ver imerso em tato era olfato modelando paladar para que do monólito fizesse da audição existir palavra que se confundisse com a condição ser.

- É chá, porque mente é condição temporal e mentirosa demais para se dar crédito maior do que tratar a dor de um.

Sobre o porquê de palavra ser sempre mentira: existe interpretação; a ti basta ou tento te convencer?

Sim, como que para existir corpo que comportasse a condição de ser: cada sentido veio agregar-se e ao longo do tempo até passamos considerar sobre nós relevantes os significados.

Ser é como estar a serviço de sentir que é condição do meio.

Se houver algo em si para além da condição de sentir e de significado, talvez este seja mais propriamente você.

Somos o que saboreia.

                                                     Imagem: Matteo Pugliese

sábado, 19 de dezembro de 2015



Seria justa a ideia cuja as palavras que a expõe não fossem orgulhosas em possuírem sentido. Enfim, até entre os construtos que nos comunicam mora a vaidade e nisso que meu eu invade o que digo quererá sempre vitória sobre o eu de quem me lê. Acho que se eu fracassar você terá me entendido de forma única, teremos sido originais.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015



Quando era criança sempre fui um dos mais entusiasmados com o fogo, às vezes tenho impressão de ter sido eu causador da recorrência dele, nenhuma outra coisa eu admirava mais que existir o fogo. Eu procura pedir aos meus amigos mais próximos para encontrar tudo que pudesse virar fogo; em segredo, porque, me lembro dos adultos dizendo: - Crianças, quem brinca com fogo amanhece mijado. Acho que devia ter algo a ver com sentir medo do fogo, porém me assustar por existir o fogo nunca poderia se tornar pesadelo para mim - era o sonho mais lindo existir o fogo. Sorte minha, azar o do ditado deles, sempre amei o fogo, felicidade era sustentar as chamas pelo maior tempo que nossos pais permitissem - nunca houve limite para os meus olhos e acho que das outras crianças verem beleza no fogo. Ver queimar, ver derreter, ver acabar em luz era bonito demais e contradizia as evocações dos primeiros evangélicos - na época pacíficos e não-fascistas -, enquanto seus filhos ingênuos entre outras crianças ingênuas sorriam por manterem a fogueira, porque sei que para nós fogo era luz e felicidade: crianças sem religião. Os evangélicos eram poucos e ainda não tinham virado um nova Inquisição e se tornado fariseus políticos como o Eduardo Cunha, Silas Malafaia, etc. Cabe processo por emitir juízo de gosto ou se tomarem conhecimento, sendo brasileiro, devo contar dias até que o dinheiro dele me queime? Malditos para mim, porque tornaram fogo arma, sendo que fogo era felicidade entre nós ingênuas crianças apesar do que acreditavam nossos pais. Na minha cidade o inferno era a água por conta das enchentes.

Eu que nasci perto de um grande rio e soube de tantos se agonizaram nas águas por afogamentos ocasionais ou enchentes, sempre vi no fogo um tempo de existir empírico depois da morte, um paraíso.

Se eu tiver recursos e muita sorte vão queimar meu corpo, vou viver no fogo pra sempre e ser lembrando completo sempre que me acenderem.



Entre todas as nuvens ficam-me as passageiras.

Estou translúcido enquanto te vejo fosco.

Por que só você existe?



Ao final das contas se explica-se por números,

poderia o fim terminar em excesso?



Ah, condição humana,

quando haver tem a ver com existir

- excetuam-se coisa e excedem os seres -,

então só nos cabe a 'turbulência'.



Recuso-me inaugurar Certeza,
enquanto qualquer linguagem me fizer uma pergunta.

sábado, 12 de dezembro de 2015



Se ser for onda e tudo mais sendo mar,

isso que chama de eu,
onde ancora?

Então ilha descrita mais se assemelha a continente - sólida no conforto que se afirma, emerge das possibilidades.

Depois: monstruoso continente à tona de um tão relativo oceano dicionário. Até ver tantos que o habitam considerando-o eternamente sólido: como invenção convincente.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015



Em meu peito não dormem soluções, enfim: sou pulso.

Amorfos meus sentidos entram em ideias, mas me falta é você.

Que causa será maior que um entusiasmado ver-se para além de si ?

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Não amor, se não te digo causa primeira te chamo continuação.


                                          Imagem: Zona Diversa MX


Beckett...

Samuel,
talvez Godot seja prospecção e para nos sentirmos seguros inventamos um futuro previsível - ao qual se evoca e invoca. E para que os mais simples também acreditassem, inventamos um nome que pudesse ser gritado nos estádios.

Mas enfim se formos ideias, somos duelos entre certezas e dúvidas potenciais em confronto: deuses e titãs.

Entre a causa e a causação está sentada a página em branco, incólume e eterna inércia.

E se me cabe escolha, declaro vitória à condição de útero. Não me importa o ser, mistério é saber existir o vazio. A verdadeira beleza é na ausência.

Ao meu redor tem tanto espaço.

           Imagem: photo ©Boonlert Rojanaboworn — com Redita Nesvarbu.


















Entre tantos óbvios históricos, sobre o que não acontece como fato minha imaginação acampa. Tenho sido impressionista como quem quer do instante um relato que escapou aos olhos, tenho sido expressionista como contingência da ausência dessa mesma impressão que possa se dizer em comum. Pura demagogia no sentir, vivo como esteta hedonista tornando claro até mesmo o inferno, então afirmo: - Malditos são os que desconfiguram sentidos, para estes nenhum demônio será ameaça. Porque o que te impõe medo - em essência - é juízo de gosto.

Não ter existido coisa nenhuma de real importância não desobriga as pessoas de sentirem: então elas se pesam por e para sentirem juntas.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015



Úmido o concreto faz nascer vida como quem transpira musgo por entre as frestas de sua dureza perecível. E eu que sou tolo, descobro que plantaram um pé de sorrisos na rua onde moro, eles nascem pequenos às vezes na estação chuvosa então os ventos espalham pelo chão como ínfimas flores, porém cada uma conserva orgulhosa a existência microscópica de pétalas brancas. E elas são tantas que me arrisco dizer que horizonte é perspectiva da alma ou quem me explica o porquê de eu enxergar horizontes em plongée?

Talvez se te amarem tanto quanto a eles mesmos te deixem vivo: tudo mais que excede ao humano.

                                                 
                                                       

sábado, 5 de dezembro de 2015





Ontem, hoje e amanhã.

Desde que me desinteressei sobre o que sou me tornei tantas coisas.

Nenhuma autenticidade em exato no que sinto,
tenho sido olhos e desejos que doem como vontade.

- Entenda. Para que se complete em si: vontade é história que insiste em acontecer, apesar de impulsos próprios de cada hora...
tudo mais é coletivo compartilhado.

Enfim: sou terminal... e...
completo é o sol, causa em si... completo é o vácuo, causa em si...

Antes de olhos matriciais tudo é finito: amei o fim, amei a morte... sorrindo quero tudo que termina - perdoem-me se me dedico amar o que a maioria rejeita.

Se a condição de ser navega... a morte é porto.

Excedidos os desejos dos instante, serei dedicado aos desejos que persistem
para que se cumpra minha cartografia... 
até ser de novo pulso.

Porque se duvidar volto a ser...
em barro, para que antes de ser em insistência uma próxima a chuva me desfaça.




Extinguiu-se aquela curva por te ver passar reto

E desde que eu te perdi antes da primeira chance

Meus horizontes se ocupam inventando montanhas



Pierre Bonnard (French, Les Nabis Founding Member, 1867-1947):
Rue Tholozé (also known as, Montmartre in the Rain), 1897.