Céu entrecortado por nuvens, misturas de cores, intensidades e luz, como uma obra de Rousseau; aquela fazenda ao entardecer esperava para ser admirada.
O casal Arnolfini está em sua casa de campo e ocupa a mesa da varanda
para o café da tarde.
Mesa posta e farta, toalha azul ultramarino e cópias da porcelana Ming,
compunham aquele cenário que de longe lembrava o quadro ‘Telhados vermelhos’ de
Camille Pissarro.
Inebriados como o casal em ‘O balanço’ de Fragnard, foram surpreendidos
pela intervenção de um flash de luz na cópia daquele do Abaporu de Tarsila, e
reflexo devolvido à cortina lembrava as vivas cores da arte urbana, visto pelo
recorte justo da janela Bahaus. E se até
aqui parece surreal, imagine quando o casal, com a vista turva de Renoir,
buscando a origem daquele flash, avista um jovem vestindo vermelho como ‘O
mensageiro’ de Soutine se aproximar em stop
motion, e dizer a eles:
- Curadores, vocês foram envenenados, assim como todos os convidados da última vernissage, e o quadro ‘O grito’ de Edvard Munch roubado do museu.
Cautelosos, o casal Arnolfini pediu que o jovem apresentasse as credenciais.
Sim, é um funcionário do museu. E
diz:
- Preciso que me acompanhem. O detetive depende da colaboração de vocês para ter sucesso na investigação.
Noite fria.
Rodeado por um jardim bastante arborizado, o museu tem uma fachada em
estilo neoclássico. Luzes âmbar
iluminam as colunas brancas do portal de entrada.
À porta do museu um homem vestindo terno caminha ao encontro do casal
Arnolfini e se apresenta:
- Sou a detetive Vincent e vim para o local assim que fui informado pelo departamento.
Sr. Arnolfini: - Estamos muito
tristes com o que aconteceu. Eu e minha esposa dedicamos nossas vidas à curadoria
deste museu...
- Entendo que esteja emocionado.
Sei também que estão sob efeito do envenenamento, mas preciso que me
ajudem na investigação...
- Fomos informados que o efeito é temporário, isso nos tranquilizou Sr.
Vincent.
Entram numa antessala que serve de recepção do museu. Bem iluminada e ornamentada por afrescos harmoniosamente distribuídos pelas paredes e teto.
- Voltando ao crime. Este caso tem um elemento bastante incomum. Falou Vincent.
O investigador puxou a cadeira para Sra.
Arnolfini e o esposo dela sentou-se ao lado, então Vincent falou:
- Encontrei este pequeno pedaço de papel no local do crime. Vejam.
- ‘O triunfo de Galateia’. Sr.
Vincent, este é apenas o título de um afresco de Rafael.
- Sim, datado de 1512, Villa
Farnesina, Roma, Itália. A questão Sra.
Arnolfini é o que ele estaria fazendo no local do crime, depois do museu fechar
e os funcionários concluírem a faxina.
- Entendo que é a única pista, Sr. Vincent.
Mas como eu e meu marido poderíamos ajudar no caso.
- Simples, eu preciso saber tudo
sobre ‘O triunfo de galateia’.
Acervo - subsolo do museu.
Grandes blocos de pedra formam as
paredes; termostatos em mais de um ponto do salão informavam a mínima mudança
na temperatura; luzes frias de pouca intensidade; nenhuma outra saída ou
janela.
- Como você pode ver Sr. Vincent, a pesquisa que eu e minha esposa fizemos mostra que este afresco tem inspiração mitológica, na estória de Galateia, mas nada incomum, porque estamos falando da Alta Renascença.
- Isso Sr. Vincent... Galateia foge da perseguição apaixonada do ciclope
Polifemo, e busca seu amado Ácis. Mas
no que essas informações ajudariam na investigação?
- Em nada, se não houvesse uma razão para o ladrão deixar esta
mensagem. Pensem comigo, ele conseguiu
bulhar toda a segurança do museu, sem explicação ele se descuidar deixando cair
um papel, a não ser que este papel tivesse um propósito.
- Então ele quer que você procure por ele. Provavelmente uma armadilha.
- É o mais provável Sra. Arnolfini.
Madrugada - neblina encobrindo ruas, praças e prédios da cidade.
Quarto, cama, lençol de seda e pesado
cobertor. O investigador Vincent está
dormindo sem camisa e ainda assim transpira, tem um sono agitado. Vento, janela bate e ele grita:
- Cais!
Ofegante e apressado, Vincent leva a mão até uma garrafa de água, toma dois goles enquanto troca de roupa.
- Golfinhos puxando uma concha com Galateia como se fosse um barco, tem que indicar o cais.
Chaves, distintivo, celular, jaqueta e carro.
No cais também há neblina.
Vincent usa uma lanterna em busca de pistas por todos os cantos, vasculha cada canto sem nenhum sucesso. E, seu único achado foi uma caixa de madeira que servia de refugio para uma cadela e seus filhotes. Então, na saída de um galpão, ele tropeça numa garrafa de vinho, o som da garrafa pelo chão preenche o silêncio da noite e assusta algumas gaivotas, o investigador olha para o alto e percebe que ainda não tinha ido àquela torre de observação.
Vincent encontra a escada de acesso à torre na lateral externa, à
esquerda do galpão. A torre é velha,
pequenas janelas sem vidro e degraus molhados.
Ele sobe com cautela e chega à sala da observação da torre. O investigador caminha em direção ao ponto
de observação na torre, ampla janela e uma luneta metálica enferrujada. No alto da torre a neblina era pouca, uma
longa cortina branca podia ser vista cobrindo todo mar da margem à linha do
horizonte, por alguns instantes Vincent se esqueceu da investigação. Quando foi surpreendido por um grupo de
pessoas chegando ao cais, a neblina o impedia de enxergar as pessoas, mas pode
escutar passos e perceber que estavam conversando. Minutos depois, luzes do que deveria ser um
barco podiam ser vistas por entre a densa neblina, ele ficou surpreso e pensou
numa abordagem, mas o a torre era alta e qualquer outra tentativa também seria
ineficiente. O barco se aproxima e
alguns ruídos indicam que o grupo embarcou.
Em seguida, Vincent só conseguia ver as poucas luzes se distanciando da
margem e sendo projetadas naquela cortina branca estendida por sobre o mar.
O investigador pensou no mais sensato, relacionar o curso do barco com
as poucas estrelas que conseguia ver, por coincidência - o que facilitou sou
memória -, Vincent percebeu que a lua e três estrelas no céu tinham distancias
semelhantes aos quatro cupidos pintados em ‘O triunfo de Galateia’.
4:30 da madrugada, cansaço, persistência, chão, sono.
Amanhecer no cais.
Toca o alarme do celular, um som estridente preenche a cabine no alto da
torre, são 6 horas da manhã e o sol forte havia dissipado toda a neblina.
Vincent acorda assustado, por instantes estranhou o lugar em que
dormiu. Em pé, ainda sonolento, com a
visão perturbada pela luz, o inspetor consegue ver uma ilha em posição
proporcional às três estrelas que viu à noite.
Ele passa as mãos nos olhos em dúvida.
Mas conclui ser bastante provável que as três estrelas pudessem servir
como referência de localização daquela ilha.
Pelo celular o investigador encontra informações geográficas precisas
sobre a ilha. Fotos via-satélite mostram
um mata fechada em seu em torno, enquanto uma clareira na parte central da ilha
tinha o desenho semelhante a uma concha.
Óbvio que Vincent imaginou estar vendo além dos indícios a serem
considerados em processo de investigação formal, mas o que ele tinha no início
era um pedaço de papel com o título de um afresco de Rafael datado de 1512.
Considerar aquela ilha próxima da costa era irrelevante se estivesse
enganado.
Torre, pressa, rapidez, degraus, queda, recuperação. Vincent corre ao encontro de um barqueiro,
apresenta suas credencias e busca convencer aquele senhor que a gentileza de
emprestar o barco era fundamental a um importante processo de
investigação.
Barco. Embarque. Mar em seus vários tons de azul. Reflexos do sol nas águas. Pouca experiência em pilotagem. Ondas quebram no casto, saltos. Ansiedade e chegada.
Ilha.
Vegetação densa próxima à margem, uma pequena parte de areia e pedras
formavam a praia naquele lado da ilha.
Vincent buscava alguma trilha para facilitar sua escalada até a parte
mais alta e central, onde ele imaginava ter visto a clareira com a forma de uma
concha como desenho. Um pequeno curso de
água passando por entre pedras que desaguava no mar pareceu a melhor escolha de
trilha para a subida do investigador.
O investigador seguia o caminho inverso ao das águas. A caminhada era difícil, inevitável
escorregões e alguns tombos, mas insignificantes, a preparação física do
investigador diminuía os riscos.
Cansado pelo acumulo de noite mal dormida mais a trilha de difícil
acesso, parou poucas vezes, bebeu daquela água e também admirou o lugar.
Depois de uns metros de onde nascia aquele curso de água, Vincent se
deparou com menos árvores e com um conjunto de arbustos idênticos, essa
característica na vegetação confirmava sua suspeita, havia algo de proposital
naquela ilha, começou a ter mais esperanças de ter seguido a pista certa. Ele se apressou em buscar o limite dos
arbustos e início da clareira.
Braços fortes, rápidos e precisos sobre os galhos abrem espaço para a
chegada: gramado branco e rasteiro era tudo o que havia no lugar.
Ele anda em todas as direções, depois escolhe árvores mais altas em
diferentes pontos para avistar todos os limites da ilha, mas nada além de
árvores e mais árvores.
Misto de decepção e tensão fazem com que Vincent permaneça calado,
buscando algo mais do que aquele gramado perfeito em uma ilha sem nenhum
indício de habitação.
Exausto ele senta-se na parte central daquela grande concha desenhada com
árvores e arbustos em meio ao mar, e era só isso.
Desajeito, desconforto, plano de retorno e novo rumo para a
investigação.
Barulhos de hélices.
Vincent pensou o óbvio, de algum modo o departamento soube da minha
loucura através do casal Arnolfini e conseguiram me localizar. E, ele resumiu numa frase: - Tenho mais de um problema agora. Rindo e debochando de si mesmo - Vincent
pensou que ter ido a ilha valeu a pena.
Agora o helicóptero está acima de sua cabeça preparando a aterrisagem,
mas a aeronave não tinha nenhum símbolo de identificação na lataria e também
não se assemelhava aos modelos de aeronaves que faziam uso no departamento.
Pouso. Homens estranhamento
alinhados, vestindo ternos pretos se aproximam esboçando um sorriso. Sem saber como reagir Vincent permanece
estático.
Então:
- Sr. Vincent Stephen Farthing ?
- Sim.
- Somos da Guilda O Triunfo de Galateia e o senhor preencheu todos os
requisitos para integrá-la como um novo agente.
- Senhores, eu não entendi porque vocês se deram ao trabalho de vestirem
ternos tão caros pra um show de humor.
- Sr. Vincent, menos pretensão. A
Guilda O triunfo de Galateia é um grupo secular encarregado de preservar
grandes obras de arte, e ‘O grito’ de Edvard Munch esteve ameaçado por mais de
uma vez, então a linhagem sanguínea dos verdadeiros herdeiros da obra decidiu
recuperá-la e mantê-la em segurança até uma próxima geração, quando a
devolveremos à sociedade.
FIM
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