quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Criação



   Entre a cidade e o campo, encoberta pela vegetação alta e variada.   Sem estilo arquitetônico definido, mais de uma geração parecia ser autora daquela casa.   Talvez tenha encontrado um momento antes do fim e interrompido o processo.    Ficou sem data, sem época, em suspensão.    E, aos olhares dos curiosos, parecia sempre a mesma.
   
   Em volta da casa um homem buscava a entrada.
   
   Ícaro passou ser o nome de Jorge depois que ele e a rua se escolheram.   Como consequência, Ícaro tinha a si mesmo, a roupa do corpo e uma mochila.   Naquele dia sentiu que podia ter mais que isso.   Foi tropeço, joelho ralado e a vegetação alta que convidaram o andarilho a ocupar aquele lugar.
   
   Parede, buraco, tábuas e braços fortes: entrada na casa.
   
  Dentro, a escuridão recebeu Ícaro.  E, um feixe de luz levou o andarilho até a janela.  Céu aberto e lua cheia revelaram móveis de madeira empoeirados, pequenos reflexos na parede vindos de um lustre e um grande tapete. 

   Na mente, imagem de lar.   Cansaço, sono e sonho.
   
  Pelas pálpebras deslizava áspera a língua de um gato dando bom dia, susto de dois.   Ícaro amanheceu gritando e o gato correndo.   Impulso virou salto.   Andorinhas e pardais em revoada mostraram ao andarilho que a velha casa tinha um segundo andar.  
   
   Escada, corredor.  
   Muita poeira escondia os livros na estante de um escritório.   À direita outra escada, e esta em caracol.   Ícaro subiu.   Lá, pequeno quarto na torre.    O vento passava pelo vidro quebrado da janela, a cortina em movimento tinha a mesma cor do lençol sobre a cama, a diferença estava no tom de vermelho. 
   
  Surpresa.   No basculante o gato miava dando boas vindas.   Ícaro sorriu, se aproximou do gato e enquanto fazia carinho nele, avistou o café da manhã: no quintal uma fonte irrigava um pequeno pomar.   Sorriso virou gargalhada, fome virou pressa e pressa teve que se acalmar, com a descoberta de uma parreira repleta de cachos de uva.   Ícaro colheu, comeu.  O andarilho se sentiu morador.  
 
   
   Então, Ícaro acorda:
   Língua áspera, gato, susto.   Revoada, segundo andar. 
   Poeira, livros, escritório.   Escada caracol, pequeno quarto, torre.   Vento, movimento, cortina, lençol.
  Surpresa.   Basculante, gato miava.   Se aproximou,  avistou café da manhã no quintal: fonte, pomar.   Colheu, comeu.   Se sentiu morador.  
   
   Ícaro lembrou o primeiro sonho na casa e percebeu que era, em sequência, igual à realidade.
   
 Dentro da casa um barulho preencheu todos os cantos.   Intenso, o som tomou também o quintal provocando em Ícaro corrida e busca.   E, era a porta do sótão na sala.
  Ele subiu para ver a luz colorida de um vitral contornar no escuro o corpo de um rapaz, isso depois de um miado.   Ícaro ficou apavorado, sem reação.
    
  - Me chamo Antes.   O que chega a você passa primeiro por mim e posso te mostrar em sonho, como fiz hoje.   Seja bem-vindo, Ícaro.  


Um comentário:

  1. Durante um tempo eu estive pensando numa literatura especificamente escrita para o meio virtual, então fiz algumas experiências, no entanto nesse conto acho que realizei com mais eficiência esse propósito, eu reduzi as adjetivações, valorizei os substantivos, priorizei os verbos, estruturei o conto tendo como referência a escrituração de um roteiro e para que ficasse mais apetecível mantive a poesia como referência nessa estruturação como roteiro. Eu gosto do resultado, acho que consegui sintetizar muita informação, suscitar muitas imagens usando um número reduzido de palavras, frases e orações.

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