domingo, 13 de outubro de 2013

ORATE

ORATE

  
Poucas pessoas sabem como trabalham os anjos.

   
   Em uma tarde de sexta-feira uma criança foi vitima em um incêndio, os bombeiros que chegaram ao local nenhum vestígio encontraram que desce sentido ao ocorrido, mas foram informados pelos vizinhos que ali morava uma família bastante reservada.
   Dias depois do ocorrido, o trabalho de peritos e investigadores mesmo sem concluir a causa do incêndio conseguiu identificar cinzas humanas entre os destroços, testes em laboratório deixaram evidente que três pessoas foram vitimadas pelo incêndio sem causa aparente.
  
A criança vítima do incêndio se chamava Ângelo.
 
    As semanas que seguiram o ocorrido foram de muita dor e pesar, ultrapassando o sentimento de familiares e amigos, comovendo toda a população da cidade.
  
Até que todos se esqueceram.

   Levada pela mãe ao psicólogo, uma pequena menina chamada Elisa insiste em dizer que conversava com garoto que estava infeliz e perdido no escuro.   Em um primeiro momento, imaginou se tratar de carência a construção de um amigo imaginário naquela idade, uma forma de chamar atenção, talvez um traço histérico.   Os encontros com psicólogo continuaram até que um novo elemento surgiu na narrativa da menina, ela disse que o menino chama-se Ângelo.  Ambos, psicólogo e mãe ficaram assustados, e a menina acrescentou: Ângelo estava preso entre o céu e a terra, e seres estranhos vinham disputar sua alma, nesta disputa uma sequência destruição aconteceria na cidade – porque uma alma inocente estava presa.

A prisão de uma alma inocente era capaz de abalar céus e terra.

   A mãe estava assustada e manteve a menina em acompanhamento psicológico, mas o susto maior foi quando os eventos previstos pela menina se confirmavam ao passar de cada dia.   O psicólogo mantinha-se calmo e tentava buscar explicações científicas, mesmo vendo que estas explicações eram insuficientes.    Ele escolheu assumir uma posição mais lógica frente ao que ele podia observar.  

Final de expediente.
   O psicólogo despede de uma paciente enquanto aguarda a chegada de Elisa, sua última consulta.   Ele olha em volta buscando pela secretária com objetivo de pedir a ela que adiante a agenda da próxima semana.  Ficou surpreso ao notar papéis remexidos em cima da mesa, foi até o banheiro, mas o banheiro estava vazio e a porta aberta.   De imediato tentou ligar para o celular da secretária e sem nenhum sucesso em suas tentativas, ligou para polícia para notificar o ocorrido.  Na sala de consultas o telefone toca.  Ele corre na esperança de ter alguma explicação sobre o que havia acontecido em seu consultório, mas do outro lado da linha algo ainda mais preocupante: a mãe de Elisa disse que ela e sua filha foram perseguidas durante toda a semana, muito assustadas, as duas se refugiaram na casa de campo de familiares.
  Ele correu até o banheiro para passar água no rosto e se acalmar, o vapor de água que saiu da torneira revelou uma palavra no espelho: ignore.   Trêmulo, ele correu até o escritório, pegou sua pasta e chaves do carro, enquanto tentava ligar do celular para conseguir o endereço do lugar em que as duas estavam escondidas.  Alguns toques, até que Elizabeth atende o telefone.   Ela resistiu bastante até passar o endereço.   Com endereço em mãos, o psicólogo correu um lance de escadas para chegar mais rápido ao estacionamento do prédio.   Já na saída do estacionamento, ele notou que o trânsito estava mais congestionado que o normal.

A chegada.
   O lugar era uma antiga vila guardada pelas montanhas. 
   Diminuiu a velocidade do carro, para observar os detalhes que o levariam à casa dos familiares de Elizabeth, demorou poucos minutos até que ele pode identificar uma casa azul em um elevado, escondida por entre floridos arbustos.   Estacionou o carro e tocou um sino preso no portão da casa para anunciar sua chegada; Elizabeth aparece em uma das janelas dizendo que ele poderia estacionar o carro no jardim.
  A casa era aconchegante e arejada; sala ampla com móveis antigos.  Elisa apareceu na sala acompanhada por uma senhora de semblante sereno; a menina parecia estar feliz naquele lugar.   
   De repente a senhora sorrindo disse: - Não se preocupe doutor as legiões de anjos guardam este lugar.   Curioso, ele sorriu em resposta para a senhora esperando que ela continuasse o a falar, então ela disse: - A frase no banheiro é a que menos devia ter te preocupado, eles queriam te proteger de algo muito maior que está por vir, podia ter sido ‘cuida-te’, mas eles acharam que te fazendo medo seria mais marcante. 
   Irritado, pensou que se tratasse de uma armação.   Era evidente que estava com musculatura tensa,  a ponto de explodir.   Então a senhora disse: - Sua secretária quis o mal da menina Elisa, quis vende-la; sua secretária achou que seria um bom negócio fazer de Elisa uma ferramenta de previsões, além de ignorar a dor de uma criança perdida entre os céus e a terra – revolta os anjos explorar inocentes em apuros.  Sem estar convencido de se tratar da verdade, mas tentando se acalmar, o psicólogo, começou a repassar os fatos e se manteve respeitando a versão daquela senhora.  Neste momento uma rajada de vendo invadiu a sala da casa, folhas secas das árvores tomaram todo o lugar. As folhas, em suspensão, caíram pouco a pouco formando no piso de madeira a palavra: acredite.   Ele sabia que aquilo ultrapassava sua capacidade de entendimento, porém reconhecia que sua função era manter a lucidez; sua forma de contribuir era ser aquele que assume a dúvida.

A semana.
   Durante a semana ele continuou a atendimento clinico da menina e a pedido da mãe, acompanhados por aquela senhora.  Durante as consultas novas revelações aconteciam e incidentes eram anunciados.  Por precaução eles iam a cada lugar, e do mínimo ao máximo, cada um dos incidentes se confirmavam. 
  Noite de sábado, zero hora.    Todos estavam em suas camas, sendo uma noite quente e o lugarejo seguro, as janelas permaneceram abertas; de súbito, uma nova rajada de vento tomou conta do em torno da casa, todas as janelas bateram e se trancaram no mesmo instante.  O psicólogo levantou assustado para observar se todos estavam seguros, gritos de Elizabeth tomavam conta de casa, quando ele chegou à sala notou a menina em transe, ela falava muito rápido, a senhora tentava compreender o que era dito.   Então reaparece o menino Ângelo, ele conseguiu reencontrar Elisa, disse que legiões de anjos estavam tentando resgatá-lo, mas outros barganhavam sua alma.   A menina cai sonolenta e suando frio.  
   O psicólogo está absorvido pelo que viu;  a senhora depois de acomodar Elisa no sofá da sala, vai até ele e diz que todos estavam correndo perigo, e que a medida mais segura a fazer era mais preces.   Neste momento ele fica enfurecido, sem entender como pedir proteção de forma tão insubstancial poderia ser útil, a senhora o interrompe e explica: - Doutor faça o que você achar melhor, mas a oração tem muita importância agora.

Na vila.
   O psicólogo vai até o centro daquele pequeno vilarejo em busca de ajuda médica, sua esperança era encontrar algum ambulatório ou mesmo uma única placa de um consultório médico particular.  
   Chegou a uma pequena praça circular com um belo coreto central.  Luzes de mercúrio davam um tom avermelhado à praça.  
   Enquanto ele caminha buscando ajuda, começa a ventar, o vento traz densas nuvens negras que cobrem todo o céu da cidade, os brinquedos no parque rangem à medida que o vento aumenta; janelas e portões batem. Olhando o céu ao longe era possível ver raios cortantes deixando suas marcas e sumindo em fração de segundos.   Subitamente, ele escuta um grito, quando olha para o lado direito percebe que este grito vinha de uma das casas, não demorou muito para que o mesmo acontecesse nas outras casas, as luzes tremulavam, pessoas em desespero, sem que ele soubesse a razão.   Vento e sons estranhos tomavam conta do local.    Os animais respondiam com mesmo desespero.
  Elizabeth, a senhora e Elise encontram o doutor no centro da cidade, o lugar está tomado pelo terror.   Os moradores saem de suas casas desesperados.   Elisa está aos prantos dizendo que eles precisam se refugiar num lugar seguro.  
   Vizinhos, familiares e crianças se agrupavam para se protegerem.   Naquele momento as diferenças entre eles diminuíam, percebiam que algo muito maior que suas forças se fazia presente.  
  Um senhor, provavelmente um dos mais antigos moradores da cidade, lembra-se do antigo depósito de grão da fazendo mais antiga da vila, ele sabia que o lugar suportaria a tempestade e teria espaço suficiente para abrigar todos.   Rapidamente, carros, caminhonetes, motocicletas tomam as ruas da cidade e partem a caminho do antigo depósito.

Antigo depósito.
  Crianças, mulheres e homens saiam dos veículos e corriam com lanternas de mão em direção a entrada principal do depósito, enquanto outro grupo saiu em reconhecimento do lugar; buscavam fonte de água e energia.
  Em pouco tempo a equipe de reconhecimento encontrou um gerador de energia à gasolina e um reservatório com água suficiente.   Tinham luzes acesas e água alimentando o depósito.
   Todos permaneceram juntos e assustados com proximidade e violência da tempestade.  
   Do lado de fora, o uivo do vento se confunde com sons de animais e outros sons irreconhecíveis.
   O doutor cuida de Elisa, que está exausta, amparada no colo da mãe.  
   A senhora se coloca ao centro e tenta pedir às pessoas que se acalmem, mas um forte trovão é que consegue o silencio que ela queria.   E ela aproveita a oportunidade: - Vocês vão estanhar meu pedido, mas quero que saibam que se trata de algo muito importante, quero que vocês façam orações para um menino, Ângelo precisa de nossas orações. 
   Em seguida todos começam a orar ao mesmo tempo: orações tradicionais; rezas; clamores tomam conta do lugar; símbolos; seres diversos são evocados como forma de proteção.   A senhora está ao centro.

Metatron
   Um grande estrondo como que um trovão acompanhado de fortes luzes preenche todo o lugar calando todas as vozes e cegando todas as pessoas naquele instante – agora, somente luz e silêncio.   Então muitas vozes são ouvidas ao mesmo tempo.  Intensa luz preenche tudo e as vozes se dividem, cada pessoa escuta uma voz diferente e familiar em seu ouvido:
  - É preciso que saibam um segredo, os anjos se alimentam de nossas intenções, boas ou más é disso que eles se servem, Ângelo está perdido porque nós estamos perdidos antes dele, suas intenções estão confundido a alma deste menino, façam silêncio.
   E à medida que as pessoas se acalmavam também a tempestade passava.
  

     




  

  


   

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